EXPERIMENTOTECA DE SOLOS: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES DESENVOLVIDAS PERANTE A INTEGRAÇÃO CURRICULAR
Janainne Nunes Alves; Estela Rosana Durães Vieira; Paulo Giovane Aparecido Lemos
Introdução
As mudanças sociais demandam adaptações expressivas no modelo de ensino e aprendizagem. Estes modelos devem dialogar com o desenvolvimento de competências pelos estudantes, que, por sua vez, devem estar vinculados à assimilação de informações, visando fomentar a tomada de decisões autônomas e assertivas (BRASIL, 2002). Nesta perspectiva, consumidos pelo sentimento de novos direcionamentos e possibilidades, convidamos a todos para uma reflexão sobre a integração curricular face à ubiquidade das tecnologias digitais e desenvolvimento cognitivo, a partir da Unidade Curricular (UC) “Experimentoteca de solos”, desenvolvida por professores graduados em Engenharia Florestal, Matemática e Química.
O processo educacional e o desenvolvimento cognitivo
Ao considerar o desenvolvimento cognitivo no processo educacional, é fundamental ponderar sobre as competências e habilidades enquanto processos pedagógicos concernentes, visto que eles estão relacionados à seleção, acúmulo, abstração e processamento de informações que contribuem para a construção de novos conhecimentos (NIKULOVA; BOBROVA, 2021). Para Perrenoud (1999), as competências são construídas e, uma vez adquiridas, traduzem-se como a capacidade de agir, de forma eficaz, frente a ações empreendidas no cotidiano, o que depreende o suporte em uma base de conhecimentos. Já as habilidades são representadas pela utilização deste conhecimento e aptidão para solucionar questões cotidianas sem prévio planejamento. Concepção afim ao preconizado pelo Instituto Nacional de Pesquisa Educacionais (Inep), dado que este designa competências como modalidades estruturais da inteligência, ou seja, ações e operações que estabelecem relações com e entre objetos, situações, fenômenos e pessoas, enquanto as habilidades decorrem das competências obtidas e se referem à operacionalização, ao “saber fazer” (BRASIL, 2002).
A abordagem por competências, habilidades e a integração curricular
As competências evidenciam a superação dos métodos fundamentados na memorização, por meio da proposição de um processo pautado em um contexto, o qual envolve conhecimentos inter-relacionados a habilidades (ZABALA; ARNAU, 2010). Em função disso, a formação estudantil é direcionada no sentido de desenvolver aptidões cognitivas intrínsecas à estruturação de valores e atitudes socialmente aplicáveis e potencialmente transformadores, o que pressupõe reformulações educacionais contínuas, tendo em vista os desafios impostos pela realidade emergente (BRASIL, 2002; PERRENOUD, 1999). Isto implica análises complexas por parte dos estudantes e enseja maior atenção frente à fragmentação disciplinar, ainda designada nos currículos.
É importante compreender que a integração, seja pela incorporação de determinadas disciplinas ou por áreas do conhecimento, elaborada a partir de situações-problema, explora articulações singulares de saberes e permite análises em perspectivas multidimensionais (SANTOMÉ, 1998; LAVAQUI; BATISTA, 2007).
Material e métodos
Na investigação da integração disciplinar da UC “Experimentoteca de solos”, ofertada aos estudantes do IFNMG/Campus Diamantina, em formato não presencial, com auxílio do Google Classroom,1foi realizada uma análise qualitativa, segundo as concepções de Bogdan e Biklen (1994) das habilidades cognitivas a partir do diagnóstico da aprendizagem. Este diagnóstico considerou a compreensão multifacetada das situações e o desenvolvimento de competências e habilidades que subvenciona a tomada de decisões. A sistematização da UC ocorreu a partir da “temática ambiental” e seleção de conteúdos2 que proporcionassem a capacidade de atuação frente às questões socioambientais. Ademais, as questões elaboradas pelos professores da UC, tidas como parte do diagnóstico de aprendizagem, foram correlacionadas a 9 das 21 habilidades especificadas pelo Inep. Tais habilidades foram selecionadas por se tratarem de interlocuções estabelecidas e desejáveis, considerando-se diferentes áreas do conhecimento, bem como o protagonismo social e a temática ambiental.
Resultados e discussões
A integração da UC possibilitou a conexão das questões de avaliação de aprendizagem com as habilidades definidas pelo Inep e foi possível observar que, quanto maior a integração entre as unidades curriculares, maior o número de habilidades relacionadas às questões. A exemplo, apresentamos a questão elaborada pelos professores da UC:
“O 2,4-D se trata de um composto sintetizado em 1941, que vem sendo amplamente utilizado no mundo como herbicida. A aplicação em larga escala do 2,4-D não é recente, visto que o herbicida ficou conhecido desde a guerra do Vietnã, quando foi utilizado pela força aérea norte-americana como agente desfolhante, junto com o ácido 2,4,5-triclorofenoxiacético (2,4,5-T) e o pentaclorofenol (PCF), formando o "agente laranja". Fonte: AMARANTE JUNIOR, Ozelito Possidônio de et al. Breve revisão de métodos de determinação de resíduos do herbicida ácido 2, 4-diclorofenoxiacético (2, 4-D). Química Nova, v. 26, n. 2, p. 223-229, 2003. Analise a fórmula estrutural do 2,4-D e classifique as afirmativas elencadas a seguir como Verdadeiras ou Falsas. ( ) O grupo funcional orgânico presente no 2,4 D está associado a pH inferior a 7; ( ) A dissociação do 2,4 D implica a liberação de íons OH-; ( ) A aplicação indiscriminada de 2,4 D pode alterar o pH do solo e impactar a disponibilidade de nutrientes do mesmo; ( ) O pH do 2,4 D pode ser calculado a partir do logaritmo da concentração de íons hidroxila em solução. ”
Esta questão foi relacionada a sete habilidades, quer sejam:
1-Dada a descrição discursiva ou por ilustração de um experimento ou fenômeno, de natureza científica, tecnológica ou social, identificar variáveis relevantes e selecionar os instrumentos necessários para realização ou interpretação do mesmo; 2 -Dada uma situação-problema, apresentada em uma linguagem de determinada área de conhecimento, relacioná-la com sua formulação em outras linguagens ou vice-versa; 3- Analisar criticamente, de forma qualitativa ou quantitativa, as implicações ambientais, sociais e econômicas dos processos de utilização dos recursos naturais, materiais ou energéticos; 4- Analisar fatores socioeconômicos e ambientais associados ao desenvolvimento, às condições de vida e saúde de populações humanas, por meio da interpretação de diferentes indicadores; 5-Compreender o caráter sistêmico do planeta e reconhecer a importância da biodiversidade para preservação da vida, relacionando condições do meio e intervenção humana; 6-Analisar, de forma qualitativa ou quantitativa, situações-problema referentes a perturbações ambientais, identificando fonte, transporte e destino dos poluentes, reconhecendo suas transformações; prever efeitos nos ecossistemas e no sistema produtivo e propor formas de intervenção para reduzir e controlar os efeitos da poluição ambiental; 7-Comparar processos de formação socioeconômica, relacionando-os com seu contexto histórico e geográfico (BRASIL, 2002).
Nessa perspectiva, reiteramos que os posicionamentos de Zabala e Arnau (2010) e Perrenoud (1999), sobre o desenvolvimento cognitivo, dialogam com a admissão de currículos atentos às necessidades educacionais factuais. Contexto que nos remete a uma compreensão abrangente proporcionada por aproximações da realidade, bem como pelo exercício de abordagens em múltiplas perspectivas depreendidas pela integração (SANTOMÉ, 1998; LAVAQUI; BATISTA, 2007). Logo, construções pedagógicas coerentes com a integração nos parecem alinhadas ao desenvolvimento de competências, uma vez que as relações entre conceitos, situações, fenômenos e pessoas são estimuladas. Adicionalmente, a abordagem em torno de situações-problema encontra suporte no desenvolvimento de habilidades socialmente aplicáveis, à medida que podem ser investigados temas afins à realidade local e global.
Quanto ao Google Classroom, fundamental no ensino remoto e desenvolvimento da referida UC, este instrumento demonstrou que as tecnologias digitais podem proporcionar boas interações entre professores e estudantes, à medida que são facilitados os encontros para discussão de ideias, pois as limitações de tempo e espaço são extrapoladas por meio de diálogos síncronos e assíncronos. Cabe destacar que, para que a integração ocorresse de fato, foi necessária maior disponibilidade de tempo dos professores e, nesse sentido, a flexibilidade de tempo e espaço foi determinante.
Referências
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora,1994.
BRASIL. Ministério da Educação. Exame nacional do ensino médio: documento básico. Brasília, DF: INEP, 2002.
GOOGLE CLASSROOM. Google sala de aula. Disponível em: < https://classroom.google.com>. Acesso em: 31 mai. 2020.
GRAVITYX9 (2006). Disponível em: https://www.flickr.com/photos/gx9/274744188 Acesso em: 27.out.2022.
LAVAQUI, Vanderlei; BATISTA, Irinéa de Lourdes. Interdisciplinaridade em ensino de ciências e de matemática no ensino médio. Ciência & Educação, v.13, n.3, p.399- 420, 2007.
NIKULOVA, Galina; BOBROVA, Lubov. Analysis of cognitive abilities for STEM learning: two viewpoints, two opinions. Periodico Tche Quimica, v. 18, n. 37, p. 241-257, 2021.
ZABALA, Antoni; ARNAU, Laia. Como Aprender e Ensinar Competências. Artmed Editora: Porto Alegre, Brasil, 2010.
PERRENOUD, Philippe. A teoria das competências. São Paulo: Vozes, 1999.
SANTOMÉ, Jurjo Torres. Globalização e interdisciplinaridade: O currículo integrado. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.
1 O Google Classroom, foi adotado por possibilitar interações síncronas e assíncronas na mediação pedagógica. Trata-se de uma plataforma gratuita com acesso livre a outros acessórios do Google, como o Google Meet e a agenda. Tudo isso sem a necessidade de realizar nenhuma instalação no computador (GOOGLE CLASSROOM, 2020).
2 Solo como sistema trifásico; Manejo adequado dos solos; Salinidade nos solos; Funções orgânicas e propriedades de agroquímicos comumente utilizados no Brasil; pH; Soluções; Multiplicação cruzada; Frações; Notação exponencial; Logaritmo.
Fico encantada quando o educador sai da sua "zona de conforto" e se desafia a fazer diferente. Constrói juntamente com seu colega novas maneiras de instigar nos alunos o desejo de ser protagonista do seu itinerário formativo.
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