Alguns olhares sobre a educação no contexto da pandemia: tecnologia e inclusão - diálogos necessários.

Por Gilda Rodrigues e Ricardo Cardozo

Temos vivido um cenário de profundas transformações com um alcance em praticamente todos os segmentos da nossa sociedade. Essas transformações têm alterado comportamentos sociais que, por sua vez, têm causado impactos significativos nos modos de ser, de atuar, de pensar, de ensinar e de aprender nessa sociedade.

Na educação, essas transformações exigem o repensar da prática pedagógica do professor na constante busca de uma educação que tenha mais sentido para os indivíduos e, sobretudo, que se pense em possibilidades para ressignificar as práticas educacionais ainda calcadas na transmissão de conhecimento ao ensinar os estudantes a seguir instruções, a seguir normas, deixando pouco espaço para o aluno assumir ativamente o processo de ensino-aprendizagem.

No entanto, no campo educacional, no momento, temos mais questões para reflexões do que respostas, mas, temos que construir coletivamente caminhos, trilhas, possibilidades para enfrentarmos essa situação atual com a crença que estamos envidando nossos maiores esforços para construir alternativas.

O cenário atual, gerado pela crise provocada pelo isolamento social do Covid-19, nos empurrou abruptamente para o mundo digital. Desse lugar, com todas as limitações, o professor tem tido a oportunidade de experimentar novas práticas e ferramentas digitais, combinar diferentes dinâmicas individuais e coletivas e, os alunos, por sua vez, estão tendo a oportunidade de serem responsáveis também pelo seu processo de ensino-aprendizagem.

Na mesma medida, os gestores educacionais, em âmbito geral, foram obrigados a adaptar-se rapidamente, a repensar novas práticas, e avaliar continuamente o processo e, a partir disso, tomar decisões para ajustar a realidades mais adequadas. 

Esse momento de crise colocou todos em perspectiva e acelerou alguns processos que estavam por vir.  Tudo aponta para mudanças substanciais no processo educacional, nas próximas décadas, decorrentes da evolução e integração da tecnologia em todas as esferas da sociedade, com um nível de complexidade cada vez maior.

No entanto, para além da construção de novas práticas pedagógicas que se utilizam do suporte tecnológico, é preciso fazer uma reflexão sobre o contexto pandêmico que estamos vivendo, que apresenta números assustadores no Brasil e no mundo, afetando, significativamente, boa parte das nações. Esse momento, portanto, tem demandado do Estado ações para garantir condições materiais de existência para um número significativo de pessoas. Se esse é um problema que afeta todo mundo, imaginem o Brasil, um dos países mais desiguais do mundo.

Essa desigualdade social é uma severa realidade também na área de abrangência do IFNMG, atingindo parte dos estudantes que atendemos. A título de ilustração, dos 15 IDHs mais baixos de Minas Gerais, 10 estão na nossa área de atuação. Em muitas mesas dos nossos discentes faltam condições mínimas de subsistência e essa é uma realidade que está sendo agravada por essa crise de saúde que afeta a todos nós.

Para muitos, essas reflexões tratam acerca de uma questão muito maior que a instituição educacional não tem condição de resolver, com isso concordamos, não se trata de uma concepção redentora de educação. Mas, se a educação não pode sanar todos os problemas, tampouco poderá negá-los ou fechar os olhos diante de todas as dificuldades impostas aos nossos estudantes e suas famílias.

A esse quadro socioeconômico se somam as questões de saúde mental. Os nossos estudantes e servidores, ao retornarem para nossas atividades, estarão divididos entre a ansiedade do reencontro e o medo do contágio pelo novo Corona Vírus.  A própria definição de saúde da Organização Mundial da Saúde, como “um estado de completo bem-estar físico, mental e social e não somente ausência de afecções e enfermidades”, confirma que não estamos falando apenas de questões fisiológicas que podem ser mensuradas por um teste.

Outro ponto diz respeito às estratégias de universalização do acesso à internet para nossos estudantes. Acreditamos que todos os estudantes da nossa instituição que não têm acesso à rede necessitarão receber uma bolsa de inclusão digital para poderem usufruir dos inegáveis benefícios de terem internet banda larga em suas residências.  Isso é fundamental para que possamos dialogar acerca de uma concepção educacional que pretenda incorporar de forma mais consistente a mediação tecnológica no processo de ensino-aprendizagem.

Além disso, é necessário um planejamento para aquisição de mais equipamentos de informática que poderão ser cedidos para nossos estudantes em vulnerabilidade social. Se não apresentarmos alternativas verdadeiramente exequíveis centradas na defesa de uma educação de qualidade socialmente referenciada, tanto no âmbito institucional quanto na interlocução com a  Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica (Setec), deixaremos de cumprir nosso papel de contribuir na redução das desigualdades de oportunidades educacionais e ampliaremos ainda mais o fosso que separa os estudantes que apresentam maior capital cultural daqueles que historicamente foram alijados de oportunidades educacionais.

Assim, temos pela frente desafios profundos e difíceis na educação em todos os níveis e esferas. Podemos ditar o ritmo que queremos seguir e acreditamos que podemos sair fortalecidos dessa crise e preparados para atender às novas exigências da sociedade.

Portanto, é vital ponderarmos sobre qual escola atenderá aos anseios de uma sociedade pós-pandemia. Esse novo cenário nos impôs um imenso desafio, especialmente, no que tange a elaboração de diretrizes que evitem o aprofundamento das desigualdades educacionais; por outro lado, poderá servir como horizonte de reflexão para aperfeiçoarmos nossas práticas com vistas a atender ainda mais aos anseios da nossa comunidade do IFNMG.

Comentários

  1. Muito bom o texto, bastante reflexivo do ponto de vista de alertar para as desigualdades de oportunidades educacionais, consequentemente, sobre uns com maior capital cultural e outros alijados dessa aquisição. Alertar para isso é importante, porque ainda tem muitos que pensam que uns não têm acesso porque não querem ter, porque são preguiçosos, porque simplesmente não se esforçam para ter. Afinal, não falta uma multidão que não consegue ver as mazelas sociais que impedem de evitar que as desigualdades cresçam e se multiplicam, a ponto de ter que dar bolsas e outros apoios antes que o caos fique ainda pior.

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  2. Parabenizo os autores pela coerência do texto !!

    Precisamos de muito planejamento para o retorno, as coisas jamais serão as mesmas, se forem, nas palavras de Ailton Krenac:
    Tomara que não voltemos à normalidade, pois, se voltarmos, é porque não valeu nada a morte de milhares de pessoas no mundo inteiro. Depois disso tudo, as pessoas não vão querer disputar de novo o seu oxigênio com dezenas de colegas num espaço pequeno de trabalho. As mudanças já estão em gestação (KRENAC, 2020).

    Entendi também no texto, além de um convite à reflexão sobre a escola que queremos no cenário pós-pandemia, uma motivação à sinergia.

    Parabéns !!

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  3. Boa tarde! Adorei o texto, impulsiona diversas reflexões. Parabéns!

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  4. Reflexões necessárias e desafiantes para o momento vivenciado. De todos nós, educadores e educandos, tem sido exigido um constante movimento de motivação/esforço/inovação na prática do ensino remoto, em meio a tantos problemas sociais agravados pela pandemia.

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    1. Reflexões necessárias e desafiantes para o momento vivenciado. De todos nós, educadores e educandos, tem sido exigido um constante movimento de motivação/esforço/inovação na prática do ensino remoto, em meio a tantos problemas sociais agravados pela pandemia.

      Leo Vieira (IFNMG/Salinas)

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    2. Excelente texto, parabéns! Eu também compactuo com os comentários anteriores. Gostaria de destacar a reflexão pontuada no texto de que o momento pandêmico nos coloca grandes desafios e que os números são assustadores. Ressalta-se que assusta muito mais a postura política de governos. Imagina, é racional ainda preservar o direito de patentes a vacina que é imprescindível para resolver o problema da pandemia no mundo? No Brasil, o presidente da República teve a coragem de vetar um projeto que previa recursos aos estados e municípios para a conectividade aos estudantes pobres, sabendo que o acesso digital é fundamental para garantir o acesso a educação. Por ironia, um congresso que é extremamente conservador, derrubou esse veto. São ações dessa natureza que demonstra que falta interesse político para resolver o problema da desigualdade, no Brasil e no Mundo. A luta é grande, e não tenho dúvida de que a educação pode e deve colaborar com a formação das novas consciências!

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