Desafios da pandemia: relato de uma pesquisa durante o ensino remoto emergencial

 

(https://pixabay.com/pt/illustrations/educa%c3%a7%c3%a3o-aprendizagem-online-5578742/)

Por: Lidinei Santos Costa e Caio Bruno Wetterich

A pandemia de covid-19 causou diversos impactos na sociedade, em especial na educação, que teve que se reinventar para que os discentes não fossem tão prejudicados durante o período de distanciamento social. Com as aulas presenciais suspensas de forma repentina em março de 2020, foi necessário implementar o ensino remoto emergencial (BRASIL, 2020), o qual se tornou bastante desafiador, tanto para os professores quanto para os alunos, devido à necessidade de transformação das formas de ensinar e de aprender. É nesse contexto que se insere a nossa pesquisa de mestrado, que se propunha a desenvolver atividades gamificadas em uma turma presencial do curso Técnico em Eletroeletrônica do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Norte de Minas Gerais (IFNMG) – Campus Avançado Porteirinha, ofertado nas modalidades concomitante e subsequente.

O ensino remoto foi implementado no IFNMG no mês de agosto de 2020, por meio das atividades pedagógicas não presenciais (ANPs) (IFNMG, 2020), no intuito de se estabelecer a continuidade do processo de ensino e aprendizagem e de se minimizarem os impactos negativos da pandemia na educação. Com isso, as aulas passaram a ser mediadas pelas tecnologias digitais da informação e comunicação (TDICs), utilizando-se as ferramentas Google Meet e Classroom. Logo, alunos e professores precisaram adaptar-se a essa nova realidade: o professor precisou aprender a mediar o conhecimento com o uso de ferramentas e metodologias ainda desconhecidas para alguns; o aluno precisou se organizar para acompanhar o ensino de forma remota e aprender no novo formato, diferente em termos de interação com docentes e colegas de classe e de alcance e construção do conhecimento. Tal realidade colocou em evidência a dificuldade de muitos alunos em ter acesso a internet de qualidade e a equipamentos digitais para o acompanhamento das aulas.

Essa realidade foi cenário para a realização da pesquisa de mestrado do Programa de Pós-Graduação em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT), que trouxe bastantes resultados positivos, como também o desafio e o dinamismo inerentes à atividade educativa. Considerando que a sala de aula física foi “transposta” para a sala virtual no Google Classroom, foi necessário adaptar a pesquisa, projetada anteriormente à pandemia. Uma atividade que seria desenvolvida de forma presencial precisou ser repensada para ser aplicada durante o ensino remoto, uma vez que essa era a realidade presente e ainda com fim incerto.

A metodologia da pesquisa consistiu em desenvolver atividades gamificadas inseridas em plataformas de gamificação on-line, as quais os alunos deveriam acessar de forma simultânea durante as aulas da disciplina Eletrônica Digital, em um processo que buscava proporcionar ludicidade ao ensino dos conteúdos do referido componente curricular. Possuía como objetivo analisar a influência da gamificação no engajamento e na motivação dos discentes em relação à disciplina Eletrônica Digital do curso Técnico em Eletroeletrônica, ofertado pelo IFNMG ­– Campus Avançado Porteirinha (COSTA, 2021a).

A gamificação utiliza elementos de jogos fora do ambiente fictício deles, trazendo para atividades reais aspectos que tornam a atividade de ensino e aprendizagem mais prazerosa e lúdica. Tais elementos podem ser: desafios, pontos, ranking, recompensas, medalhas, feedback, metas, competição, tentativa e erro, entre outros (ALVES, 2014; DOMINGUES, 2018; TONÉIS, 2017).

A gamificação é considerada uma metodologia ativa, na qual o aluno se torna participante do processo de ensino e aprendizagem — podendo desenvolver autonomia e interesse na construção do próprio conhecimento, como também habilidades pessoais e profissionais —, além de ser uma metodologia bastante atual, por fazer parte do cotidiano dos jovens e por ser o jogo um elemento cultural que perpassa as diversas civilizações (HUIZINGA, 1996; MATTAR, 2010; MORAN, 2018).

As plataformas de gamificação on-line utilizadas na pesquisa foram a Escape Factory1, a Educaplay2 e a Quizizz3, escolhidas por serem plataformas menos complexas para o acesso dos alunos, considerando que nem todos possuíam equipamentos e internet de qualidade, ainda que tenham sido disponibilizados pelo IFNMG aos discentes mais vulneráveis um tablet e o auxílio de inclusão digital para aquisição de internet. Assim, foram inseridas nessas plataformas quatro atividades contendo desafios sobre os conteúdos da disciplina; os alunos participaram da gamificação durante as aulas, recebendo o feedback dos professores após cada atividade, o que lhes permitia avaliar o próprio desempenho.

Os discentes relataram resultados positivos — como a facilitação da aprendizagem, o incentivo para participarem mais das aulas da disciplina e para se interessarem pelos conteúdos curriculares e a interação com os professores e colegas — proporcionados pelo dinamismo da metodologia.

E os desafios também foram imensos, da primeira à última atividade gamificada desenvolvidas ao longo do módulo da disciplina. Não foi possível contar com a participação de todos os alunos simultaneamente em todas as aulas da pesquisa, sob a alegação de dificuldades no acesso e com equipamentos digitais, e também pelo perfil dos participantes, que trabalhavam e não conseguiam estar presentes em todas as aulas; outros perdiam a conexão durante a atividade gamificada, o que dificultou a efetiva participação; houve dificuldade também com as plataformas, pois a velocidade da internet de alguns alunos não permitia a realização adequada da atividade (carregamento da atividade); a própria ANP foi outro aspecto dificultador, pois alguns alegaram que as aulas foram muito “corridas”, por serem divididas em módulos em pequeno espaço de tempo, dificultando a devida assimilação dos conteúdos. Para tentar minimizar os efeitos negativos desses obstáculos, foi oportunizado que a pontuação da gamificação tivesse valor dobrado nas duas últimas atividades, a fim de valorizar o esforço dos alunos que, de alguma forma, haviam sido prejudicados devido às condições de acesso.

Em meio aos diversos desafios, a pesquisa foi finalizada com uma entrevista com os discentes, na qual puderam expor suas percepções sobre a metodologia desenvolvida. A entrevista foi feita por meio de ligação telefônica — gravada em aplicativo, com o devido consentimento —, etapa na qual também houve dificuldade, pois alguns alunos não conseguiram receber a chamada para a entrevista em função do local em que estavam (área rural).

Desse modo, a intervenção em sala de aula no período pandêmico pode ser considerada momento de rico aprendizado, pois possibilitou importante reflexão sobre os resultados obtidos, desafios encontrados e aspectos da prática pedagógica que precisam ser refletidos, a saber: a necessidade de valorizar o aluno na sua individualidade e integralidade, considerando que suas vivências e condições materiais interferirão no seu desempenho escolar e engajamento; a flexibilidade do ensino, buscando atender às demandas apresentadas pelos discentes, em vez de torná-lo um momento engessado e pouco interessante; a importância de se empregar metodologias variadas e dinâmicas nas aulas, a fim de alcançar o maior engajamento e participação dos alunos na construção dos saberes, levando-se em conta que nem todos aprendem da mesma forma e que precisam de estímulo para se motivarem; e, por fim, o reforço da importância do uso das TDICs a serviço do ensino, como ferramentas que, se utilizadas intencionalmente e de forma planejada na prática pedagógica, podem proporcionar ricas experiências, tendo em vista terem obtido grande destaque durante o ensino remoto emergencial.

A gamificação é uma metodologia que pode ser adaptada aos diversos componentes curriculares, desde que seja planejada e possua objetivos bem definidos. Por meio dessas plataformas on-line — em muitos casos, gratuitas —, é possível inserir diversos desafios, com diferentes níveis de complexidade, para instigar os alunos a desenvolverem habilidades importantes para a vida pessoal e profissional. Pensando nisso, a gamificação desenvolvida na referida pesquisa tornou-se um produto educacional, denominado “Gamificação em Eletrônica Digital: guia didático para docentes” (COSTA, 2021b), apresentando o passo a passo das atividades e como elas podem ser reproduzidas (sequências didáticas).

2 Disponível em: https://www.educaplay.com/

Referências

ALVES, Flora. Gamification: como criar experiências de aprendizagem engajadoras: um guia completo do conceito à prática. 1. ed. São Paulo: DVS Editora, 2014.

BRASIL. Ministério da Educação. Portaria nº 343, de 17 de março de 2020. Dispõe sobre a substituição das aulas presenciais por aulas em meios digitais enquanto durar a situação de pandemia do Novo Coronavírus – COVID-19. Brasília, DF: Ministério da Educação, 2020. Disponível em: https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-343-de-17-de-marco-de-2020-248564376. Acesso em: 12 jan. 2021.

COSTA, Lidinei Santos. Gamificação em Eletrônica Digital: possibilidades de estímulo à aprendizagem. Orientador: Caio Bruno Wetterich. 2021. Dissertação (Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica) – Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Montes Claros, 2021a. Disponível em: https://ifnmg.edu.br/dissertacoes-e-produtos-educacionais-profept. Acesso em: 6 abr. 2022.

COSTA, Lidinei Santos. Gamificação em Eletrônica Digital: guia didático para docentes. Orientador: Caio Bruno Wetterich. Produto educacional (Mestrado em Educação Profissional e Tecnológica) – Instituto Federal do Norte de Minas Gerais, Montes Claros, 2021b. Disponível em: https://ifnmg.edu.br/dissertacoes-e-produtos-educacionais-profept. Acesso em: 6 abr. 2022.

DOMINGUES, Delmar. O sentido da gamificação. In: SANTAELLA, Lucia; NESTERIUK, Sérgio; FAVA, Fabrício (org.). Gamificação em debate. São Paulo: Blucher, 2018. p. 11-37.

HUIZINGA, Johan. Homo ludens: o jogo como elemento da cultura. Tradução: João Paulo Monteiro. 4. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.

IFNMG. Regulamento de implementação das atividades pedagógicas não presenciais (ANP) em cursos presenciais, técnicos e de graduação do IFNMG, em função da situação de excepcionalidade da pandemia da COVID – 19. Montes Claros: IFNMG, 2020. Disponível em: https://www.ifnmg.edu.br/regulamentos-ensino. Acesso em: 12 jan. 2021.

MATTAR, João. Games em educação: como os nativos digitais aprendem. São Paulo: Pearson Prentice Hall, 2010.

MORAN, José. Metodologias ativas para uma aprendizagem mais profunda. In: BACICH, Lilian; MORAN, José (org.). Metodologias ativas para uma educação inovadora: uma abordagem teórico-prática. Porto Alegre: Penso, 2018. p. 1-25.

TONÉIS, Cristiano N. Os games na sala de aula: games na educação ou a gamificação da educação? São Paulo: Bookess Editora, 2017.


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