Cidadania e democratização da educação: reflexões sobre a prática docente.

Consideraremos inicialmente que a educação é um possibilidade de mudar o mundo, a sociedade e a vida familiar e individual. No entanto, com relação, ao conhecimento formal, especialmente nos níveis mais altos, este não é tão acessível a todos que desejam acessá-lo. E é sobre isso que queremos promover a reflexão neste texto.

Nivaldo de Oliveira Boaventura Filho*
Lilian Simone Godoy Fonseca ***
Luidy Siqueira **

Chegar ao ensino superior é uma possibilidade de mudança social, conforme Carvalhaes e Ribeiro, "pessoas com diplomas de ensino superior tem chances muito maiores de conseguir os melhores empregos em termos de salários e condições de trabalho do que pessoas que não completaram o ensino superior" (2019, p. 195). No entanto, o acesso ao ensino superior e às pós-graduações podem não ser, para alguns, um caminho fácil e justo, a depender do grupo  social ao qual pertence.

Percebemos, ainda, que o ambiente acadêmico pode ser um espaço de disputas e de exclusão. Nos estudos de Pierre Bourdieu encontramos conceitos como o "capital cultural", "translação global das distâncias", violência simbólica e "reprodução do sistema", os quais podemos associar às práticas ainda existentes na academia.

A exclusão escolar, já discutida a partir da perspectiva socioeconômica como uma condição da qual não se pode prescindir, é aprofundada por Bourdieu quando este apresenta reflexões sobre capitais culturais simbólicos que existem na relação professor-aluno. Para Bourdieu, "a concepção multidimensional de classe social não coloca a dimensão cultural subordinada à dimensão socioeconômica; a cultura é apresentada como uma outra forma de poder que se distingue das demais, embora possa estar a elas relacionada" (SILVA, 1995). Bourdieu vê na escola um espaço de legitimação das desigualdades e de fomento à "auto-exclusão" dos menos favorecidos culturalmente.

Desse modo, não só o acesso ao ensino superior é ainda dificultado no nosso país, mas também a permanência e o êxito dos alunos.

Nessa esteira, Bourdieu traz também o conceito de translação global das distâncias, que revela a manutenção das desigualdades na sociedade. À medida em que a classe mais baixa sobe um degrau, a classe que está acima também sobe mais um, persistindo a desigualdade. Enquanto no Brasil mais jovens conseguiram acesso ao curso superior – em decorrência de políticas implementadas nos últimos 20 anos – a pós-graduação tornou-se o degrau acima para alguns, que ainda os mantêm em posição de vantagem.

O espaço acadêmico/universitário precisa então ser repensado, evidenciando sua responsabilidade social e compreendido a partir da perspectiva do desenvolvimento humano, sob um olhar que não se enxerga a si mesmo como fim, mas que tem a tarefa de viabilizar processos formativos comprometidos com o bem público que envolvem não só os estudantes, mas a comunidade acadêmica como um todo e, também, arranjos institucionais mais amplos (Moreto e Fioreze, 2019). Infelizmente, ainda percebemos a universidade como seletiva e, muitas vezes, não democrática; sem a visão de que a educação é um bem público e não um favor.

 Para Andrada (2009),

Construir valores morais também significa fazer com que os sujeitos reflitam sobre si mesmos. Significa, também, promover interações dentro da escola que possibilitem a construção desses valores, por meio, por exemplo, do respeito ao aluno. Escutar, compreender falas, olhar as relações dentro da escola de forma ampla, sem estereotipias nem julgamentos depreciativos são formas de investir na formação moral dos alunos. (ANDRADA,  2009, p. 17).

O espaço escolar deveria ser fundamentalmente um terreno fértil para a formação de valores como o respeito. De acordo com Andrada, "não como algo ensinado, mas construído nas relações, nos exemplos de conduta de respeito”. Ao citar Araújo, o autor pontua que os valores presentes nas interações podem influenciar as atribuições do que é justo e, consequentemente, direcionar as ações. Porém, os valores só terão um peso regulador se estivessem em um lugar representativo, central na identidade dos sujeitos. (ANDRADA, 2009, p. 45-46).

Concordando com Andrada, é importante ressaltar a necessidade do fortalecimento de vínculos entre professor-aluno, a fim de promover a aprendizagem e contribuir para a permanência dos alunos nos cursos. Relações de acolhimento e respeito são primordiais para o sucesso nas práticas pedagógicas.

Nessa direção, Maria da Graça Jacintho Setton reforça que o capital cultural vindo de instâncias classificadas como legítimas é expresso “na forma de diplomas, na visitação a museus e assistência a concertos eruditos” (2005, p. 80), atividades inerentes aos docentes universitários, ainda que não a todos, e não somente a eles, e nem que sejam práticas ruins. Não são, contudo, totalmente acessíveis. Unindo esses conceitos, a autora Maria Amália de Almeida Cunha destaca que na obra de Bourdieu, “a noção de “capital cultural” não se dissocia dos efeitos da dominação” (CUNHA, 2007, p. 504).

 É interessante retomar, nesse ponto, uma fala de Bourdieu em entrevista concedida à Maria Andréa Loyola, em 1999 – portanto há 22 anos, ou seja, 29 anos após ter lançado “A Reprodução”: “para mim, ainda hoje é surpreendente, como foi naquela época, que o fato de dizer que uma instância como o sistema de ensino contribui para conservar as estruturas sociais, (...) que é uma constatação (...) percebida como uma declaração conservadora”. (GONÇALVES e GONÇALVES, 2010, p. 30). Em um intervalo de 50 anos – no mínimo, considerando a data do lançamento da obra de Bourdieu – o próprio sistema de ensino vem “contribuindo para conservar” (utilizando o termo do autor) aquilo que é de interesse dos grupos ou classes que o controlam.

Sendo essa uma temática polêmica e que requer maiores discussões, convidamos a todos para ler o artigo completo, no qual refletimos sobre a relação professor-aluno, saúde mental e sobre como a educação tem papel fundamental para a transformação social, dependendo de como é praticada e como o papel do professor pode fazer a diferença nesse contexto.

 

*Nivaldo de Oliveira Boaventura Filho - Tradutor e Intérprete de Libras IFNMG

**Luidy Siqueira Santos - Egresso do IFNMG/Araçuaí. Estudante de História na UFMG.

***Lilian Simone Godoy Fonseca – Docente da Faculdade Interdisciplinar da Humanidades da UFVJM


Texto completo em publicado na coletânea União Pela Educação da Editora Diálogo Freiriano, 2021:

 https://documento.ifnmg.edu.br/action.php?kt_path_info=ktcore.actions.document.view&fDocumentId=46558


Referências

ANDRADA, Paula Costa de. Sentidos atribuídos aos alunos pelo ensino superior: um estudo sobre valores no ambiente acadêmico. Dissertação de mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação emPsicologia da PUC-Campinas.Campinas: PUC, 2009.

BOURDIEU, Pierre; PASSERON, Jean-Claude. A reprodução. Elementos para uma teoria do sistema deensino. 3a ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1992.

CARVALHAES, Flávio; RIBEIRO, Carlos Antônio Costa. Estratificação na Educação Superior no Brasil. Desigualdades de classe, gênero e raça em um contexto de expansão educacional. Tempo Social, Revista de Sociologia da USP, v. 31, n. 1, p.195-233. São Paulo: USP, jan/abr 2019.

CUNHA, Maria Amália de Almeida. O conceito “capital cultural” em Pierre Bourdieu e a herança etnográfica. Revista Perspectiva, v. 25, n. 2, p. 503-524. Florianópolis: UFSC, jul/dez 2007.

GONÇALVES, Nadia G; GONÇALVES, Sandro A. Pierre Bourdieu. Educação para Além da reprodução. Petrópolis: Vozes, 2010. 120 p.

MARQUES, Tania Beatriz Iwasko. Do Egocentrismo à Descentração. A docência no ensino superior. Tese apresentada ao programa de Doutorado em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: UFRGS, 2005.

MORETTO, Clenir Maria; FIOREZE, Cristina. Responsabilidade social e perspectiva democrática: refletindo a partir do enquadramento teórico do desenvolvimento humano. Sorocaba: Avaliação, Campinas, v. 23, n. 1, p. 108-126, mar. 2019.

NOGUEIRA, Maria José Carvalho. Saúde mental em estudantes do ensino superior. Fatores protetoresefatores devulnerabilidade. Tese de doutorado apresentada ao Programa de pós-graduação em Enfermagem. Lisboa: Universidade de Lisboa, 2017.

SILVA, Gilda Olinto do Valle. Capital Cultural, Classe e Gênero em Bourdieu.

INFORMARE - Cadernos do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, vol. 1, n. 2, p. 24-36, jul/dez. 1995.

SETTON, Maria da Graça Jacintho. Um novo capital cultural: pré disposições e disposições à cultura informal nos segmentos com baixa escolaridade. Revista Educação & Sociedade, vol.26 no.90. p. 77-105.Campinas:Cedes, jan./abr., 2005.

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